Do que é insondável

Levantou-se para escrever o que tanto lhe afligia a alma mas, ao sentar a ponta da caneta na folha em branco e inclinar corpo e mente na direção das palavras que viriam a seguir, descobriu-se inútil em desvendar o que já sentia de cor - no sentido mais literal da expressão. Na verdade, ela já havia conseguido lidar muito bem com o fato de não poder entender o amor e o universo e a síntese de proteínas mas tornar-se a si mesma um ponto de interrogação era muito mais do que podia suportar. Não compreender o que sentia parecia-lhe o mesmo que não saber quem era. A impressão que se tinha era de estar caindo no abismo de sua própria escuridão, da mesma maneira que Alice, tão imprevisivelmente, caíra numa toca de coelho. Mas havia um paradoxo misterioso naquela queda interminável: ao passo que penetrava mais profundamente, sentia-se cada vez mais longe do que queria se tornar, sob o peso esmagador dos medos e inseguranças, e também cada vez mais perto da liberdade que era fincar os pés no chão, porque apesar do tombo que a esperava e embora pudesse permanecer no mesmo lugar – e isso, em si, já é uma escolha -, poder-se-ia também ir para onde for, eventualmente com as próprias pernas. Tentava ela, principalmente sem sucesso, parecer indiferente a tudo isso, sem saber ao certo se a culpa era sua ou do mundo, sem saber a quem devia as respostas que andou procurando e de onde surgiram tantas cobranças sem razão aparente, mas sabendo que, fosse quem fosse, tratava-se de uma retaliação.
De qualquer forma, agradou-lhe lembrar que todas as vezes em que sonhou estar caindo, acordou na cama.


* Oi, gente! Nunca é tarde para desejar um feliz ano novo, não é?... então, FELIZ ano novo! Continuem comigo.

Um comentário:

  1. Já sonhei muito que estou caindo, mas ouvi dizer que esses sonhos são essenciais para lidarmos com os desafios cotidianos. E eu acredito nisso.
    A vida é um salto.
    Abraços, feliz ano-novo.

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