Carta sobre aquilo

Gostaria de poder começar essa história por onde, de fato, tudo teve início mas, depois que a vida acontece e nos enche a memória de entulhos e o coração de falsas impressões, a ordem cronológica das coisas acaba perdendo a lógica e se perdendo na torrente de emoções, como em um daqueles filmes adultos que começam pelo clímax. Ou, talvez, isso seja uma desculpa para eu não dizer que perdi a noção das coisas e dos meus batimentos cardíacos e já nem sei ao certo como tudo veio a acontecer.
Pois bem, a coisa toda é fácil de sintetizar: Estou amando. Oh, não me olhe dessa forma! As pessoas estão sujeitas a imprevistos, afinal. Eu também tinha os meus planos. Eu também tinha toda uma vida solitária pela frente, sem nenhum tipo de tendência ao altruísmo. A gente nunca espera que vá acontecer conosco, sabe... mas, se você puder pensar por um segundo... eu, bem, eu não imaginava que a minha reluzente armadura de gelo tivesse falhas.
Como eu reagi? Você não imagina. Eu simplesmente já não podia acompanhar meus próprios pensamentos! E eles vinham em um fluxo incessante de algum lugar insondável dentro de mim, de onde, provavelmente, uma metralhadora de disparates com aparente munição para mais de uma vida teria sido ligada na mira do ateliê bagunçado dos meus balões de pensamento.
Estou amando, meu amigo. Mas leia os balões! Saberá que ainda me pego pensando no que é o amor e se eu tenho mesmo coragem de o deixar entrar. Na dúvida, encostei a porta. Só não consegui trancar aquele sorriso. E isso jamais, tamanha falta faria ao mundo!
Ouve só: o mundo superaria perder o sorriso da Monalisa, a propaganda da Colgate, os dentes. Mas não passaria sem o sorriso dela.
Paixão, sim. Mas o coração enseja mais que frio nas mãos e borboletas no estômago. Quero as borboletas a voar no céu, tanto que voaria junto. Nas nuvens ao beijar minha amada. Beijar minha amada. Voar. E lá se vai o frio nas mãos, pois estou no calor dos seus braços.
O que é o amor? Essa porta que vejo aberta?
O que é o amor? Talvez deixar que ele me explique.
Talvez deixar que ele pergunte
o que sou eu.
E só ela realmente saberá.

Pelo mais

Eu tento apenas conservá-la dentro de mim. Não perdê-la de vista na fácil aparência monótona dos dias.
Conservar a suavidade das pétalas de flor no afago macio dos olhos. De perto. Ainda que pareça tão longe, tornar perto.
É tão fácil acostumar. Olhar sem ver. Querer sem querer: pegar lagartixa pelo rabo, acender a boca do fogão, dar abraço xoxo, essas coisas.
Mas eu quero uma mão para segurar que nunca me solte. De perto. Ainda que precise afastar para desviar dos postes de luz, ser perto. Tão perto que quase já não se sinta os nós dos dedos apertados.
Eu quero um olhar certeiro que saiba falar sem entreolhares. E dizer tudo o que vai ficar. E que nunca passará.
Tão perto que não precise-se fazer esforço para não ser distante. E para não ser mais um dia-apenas um dia-menos um dia-ufa.
Quero hábitos de nascer como o sol, encharcar como a chuva, dançar como o vento. Quente, intenso e suave. Ter essas virtudes que Ele espelhou na natureza e no universo e provocam a brecha vazia que aspira ao Amor em meu coração, que também quer refletir a beleza da vida - sem perdê-la de vista na fácil aparência monótona dos dias.
Pois é realmente mais difícil ver o extraordinário, mas só porque procuramos mais no extra que no ordinário.
E não sou mais ignorante para dizer que não entendo. Nem desonesta o bastante para fingir.
Quero menos do mundo e mais de mim. Pelo mais, quero querer.

Fiat Lux

Escrito em 10 de abril de 2015

Eu quis tirar uma foto das estrelas.

Elas eram um amontoado bonito. Pontinhos de luz infindáveis. As reticências do universo.

Pequenas, desafiavam o breu da noite com mil sorrisos brilhantes de comerciais extraterrestres da Colgate, seguindo-nos, companheiras e estáticas, por 63 km a fio.

Atrás da cortina esvoaçante, dos suspiros de cansaço abafados, do vento fustigante e barulhento fazendo pressão no ouvido esquerdo do motorista, acima da inconstante paisagem de vegetação arbórea que nos dava, a cada metro, acelerado "oi" e "adeus" mal-acabado, lá estavam as gentis estrelas. Mais altas, mais belas, mais misteriosas na sua realeza, mas mais humildes que as luzes artificiais das cidades dos homens.

Pensei em quantas delas já teriam morrido. Luzes que não se apagam.

Eu queria ser feliz como uma estrela. Ser poesia como uma estrela. Fazer sonhar. Saber o caminho da Vida tal qual a Estrela do Oriente, sem jamais perder-me ou levar à perdição.

Mas, no enquadramento da câmera fotográfica, tudo era escuro no céu.

Captei, então, o visor da quilometragem, com sua contagem obsessiva e agressiva luz neon e incandescente e que me fez lembrar, de um jeito meio estranho, que elas ainda estavam lá. Olhei com os meus próprios olhos. Guardei-as no coração.

E agradeci a Deus por ainda poder apreciá-las pela manhã, quando o Sol, finalmente, voltará para o lado certo da Terra e o mundo terá a cor de outra inspiração poética. Sentindo. Sabendo.
Não há escuridão desde que fez-se a luz.

Esse dia

Já não sei o que acontece. Vivo agora a necessitar de ti. Estamos tão longe e isso me deixa infeliz.
Será que deveria ser assim?
Não faz uma semana. Não faz sequer um dia. Mas sei que fará. E isso, desde já, me traz uma angustia sem explicação.
Eu preciso ter a certeza de você 24h por dia, de que tudo é real, de que você está mesmo ali (na minha vida), mesmo pintando o muro na chuva, mesmo jogando futebol cheio de areia e suor, mesmo dormindo em outro cômodo e deixando seu cheirinho em um lençol inanimado que não te merece. Eu preciso. Acordar e saber: você está. Você é. E que eu posso segurar suas mãos para me sentir em segurança. Porque eu estou em suas mãos, mas não estou segura ainda. Tudo pode ser passageiro por agora, apesar da constância desses últimos tempos.
Eu quero mais: quero realizar nossas lembranças inventadas. Quero lembrar desse nosso dia: os resquícios da maresia em nossos corpos, sentados aconchegados na rede azul-marinho do alpendre, quando sonhamos vermos chegar os nossos filhos e netos numa casinha nossa de praia e te dizer: Lembra daquele dia? Nós fizemos isso, meu amor. Você acredita? E você não precisaria pagar para ver. Eu não desataria a prometer ainda que estivesse a desconfiar, no meu íntimo, aquele tantinho só.
Porque o meu coração, embora comumente tolo, sabe que "há uma diferença entre conhecer o caminho e percorrê-lo".
Mas isso não muda o fato de que nós o conhecemos, amor. E que esse mesmo coração deleita-se com a ideia, entusiasmado de sonhos.
Segure minha mão.
Por favor, sigamos em frente.
E, se precisarmos parar, que seja para apreciar a paisagem. Da vida em nossos olhos.

Passatempo

Quando dei-me conta de como o futuro era distante, eu desisti de esperar por ele. Olhei para o que eu tinha, como olho agora o que tenho, e permiti-me fazer minhas escolhas de cada dia um dia após o outro, sem o fardo pesado do enésimo "hoje" que eu não vivia (e nem saberia viver - e se iria). Ao futuro, o seu tempo. Aqui e agora, ele estaria no seu devido lugar, assumindo a justa forma da sua não-existência, sem o tormento de seu fantasma para enevoar o meu instante eternamente único e efêmero de toda a vida.
Abençoados monges medievais! Culpados pelos "Memento Mori" e "Carpe Diem" de uma existência prematura como a minha. Agora eu tenho 2000 anos. Não quero viver tudo o que há para viver, Lulu. Não quando eu posso pular alguns erros.
Sim, era um plano perfeito.

Mas olho agora o que tenho e já não sei nem do presente.

E o que está em minhas mãos? Nada. É. Tão. Simples.
Tudo. Então. Complicado! E eis, senhores, a sentença que ecoa o meu viver desde o "cresça e apareça" da minha história.
Esquecer o futuro tirou-me um peso das costas. Mas é que, às vezes, me perco do sentido de viver pelo agora. Especialmente num momento de tomar decisões maiores que o instante. Eu, que não consigo escolher o sabor do sorvete direito e não tenho cor preferida nem de jujuba. Decisões maiores que eu. Não gostaria ter de olhar para o meu sorvete de bombom italiano e pensar "deveria ter escolhido floresta negra" de novo.

E, no desenrolar desses pensamentos, voltei-me para o futuro, que a Deus pertence. E me veio a luz quando pensei: É muito provável que o presente também.
Respirei, aliviada, e acrescentei um adendo ao plano: DEIXÁ-LO pertencer a Ele.

As pessoas não estavam sendo dramáticas quando falaram que ia ser difícil. Nem tão clichês quando acrescentaram: "Mas não é impossível".
Agora que parece, você sabe: Não é impossível. É só que nada é tão simples quando o passatempo preferido da nossa espécie é complicar tudo.

Olho agora o que tenho e permito-me fazer minhas escolhas de cada dia um dia após o outro.

Que a fé em meu coração me guie. Apesar dos fardos pesados.
E talvez não seja doce, como muitos esperam. Mas sei que será leve.