Protótipo


Certo dia, conheci um lugar novo, onde muitas pessoas se faziam presentes. Ao observá-las por tempo indefinido, pude perceber que estavam essas pessoas claramente divididas em dois grupos. O primeiro grupo dizia respeito àquelas que pareciam encontrar velhos amigos - pois abraçavam-se uns aos outros com força suficiente para esmagar qualquer saudade - e àquelas que caminhavam com passos determinados em direção ao que sabiam bem, como se pudessem seguir em frente mesmo de olhos fechados, e ainda às pessoas que pareciam ter chegado aonde queriam, essas, especialmente, perambulavam de um lado a outro, parecendo ocupadas demais no momento, entretanto carregavam consigo um ar de tranquilidade, cujos vincos na testa, por muitos que fossem, não faziam alusão à preocupações triviais. No segundo grupo, estavam aquelas que pareciam tão deslocadas quanto eu. Os olhares dispensados a nós nunca ultrapassavam dois segundos, acredito que, se realmente nos notaram, então, preferiram não se importar. Naquela ocasião, eu não estava sozinha, mas experimente adentrar uma floresta em que você nunca esteve acompanhado de alguém com mesmíssimo grau de experiência e verá que a companhia não será consolo suficiente.
As respostas que nos deram, na maioria das vezes, nos fez mais confusos que antes e as poucas que serviram de algo somente esclarecem dúvidas imediatas - nada que pudesse nos nortear. Ficamos esperando uma recepção que nunca veio, ao invés disso nos deram um mapa minúsculo e um pirulito que adoçou a vida enquanto durou a primeira e única mordida que o transformara num mero palito. As coisas essenciais, fomos, por conta própria, aprendendo - com a mesma voracidade com que feras famintas devoram sua presa -, até adquirirmos a qualidade de predadores. As pessoas eu não as culpo de terem, por bem ou mal, conseguido se encontrar e esquecido por completo a sensação de estar em busca, de si mesmo, de uma direção a que seguir, de respostas que alcancem o cerne do questionamento... 
Devo confessar que até hoje não sei o que faço aqui. Tudo bem, eu já consigo discernir cada banheiro e corredor e agora sei o meu horário de aulas de cor. Mas ainda ontem encontramos uma saleta com teto rebaixado no segundo andar da sala de troféus que jamais, em todo esse tempo, imaginamos existir. Em suma, o fim do ano letivo não fará com que eu deixe de me sentir uma eterna caloura. E, cada vez, eu tenho mais certeza de que a escola é um protótipo da vida. 

Acordar para o dia

O dia amanhã começa cedo, o escuro logo passa e dá espaço ao brilho aquecedor das manhãs, que nem mesmo a brisa gelada, velho sopro do litoral, consegue extinguir. Das janelas do carro, as árvores transformando-se em um borrão multicor, mais verde que todas as cores. E as nuvens com seus nomes cujos quais nunca recordo, de formatos os mais diversos, enfeitando o céu azul-turquesa por tempo interminável até sumirem no instante em que menos se espera - assim como aqueles sentimentos que ora são tudo o que é possível pensar e sentir (e pensar em sentir) e de repente perdem o significado, já além do campo de visão. 
Às vezes, a nimbus-sei-lá-das-quantas chove. Às vezes, quando chove, volta logo a fazer sol. Mormaço. Clima sem previsão. Aprendi a levar um guarda-chuva na bolsa, por via das dúvidas. A coisa até que é uma boa sombrinha quando a gente sabe fazer o melhor com o que se tem em mãos. Quando nós mesmos somos o melhor que conseguimos. Uma série de adornos imprevisíveis ao longo dos anos, um jeitinho ali, outro aqui, e voilà.
E o tempo escasseando a cada quilômetro percorrido, paradoxando a sabedoria que ele mesmo traz enquanto anda rumo ao perecer. Deixa pra lá, ele diz. Eu deixo. Não há mais o que se fazer.
O dia amanhã começa cedo, sonolento, silencioso. Bom. Como sempre foi dito, como sempre é, bastando que acordemos mais uma vez. Enfim, decidi vivê-lo, integralmente, de forma atemporal.
Abrir os olhos. Acordar para o dia.
Mais tarde, só mais uns cinco minutinhos, e a gente acorda para a vida.