Sobre pesca, recortes e louça suja

Escrito em 01 de outubro de 2013, com inspiração genuína em rascunhos de caderno

Às vezes, quando eu paro de pensar nos problemas da vida, na minha vida e nos meus próprios problemas, consigo ver o mundo. O mundo sem as expectativas do mundo todo, e do mundo que me diz respeito: as que projetaram para mim antes mesmo de eu nascer, as que adotei ao longo do caminho para correspondê-las e as que inventei, por conta própria, ao sofrer as decepções de viver o que não tinha roteiro.  Nessas horas, sinto como se não pertencesse a nada – sequer a mim mesma. Mas, enquanto não sou capaz de captar a essência última do que sou, sinto-me apta a vestir a indumentária habitual de espectadora da vida. Pois o inefável, até que possa ser claramente definido, não tem de tomar partido das coisas. De fato, nem ingresso paguei para estar aqui. E ali, naquele momento, se fosse possível ser, à parte de tudo isso, eu fui.
Eu queria ser capaz de dizer tudo o que inunda a minha mente nesses instantes... muito provavelmente, embora só em sentido alegórico, as ondas do mar do abismo – aonde lancei linha de pesca e diante de onde finquei os pés, na esperança de sondar a poesia do universo (ainda que fosse dia e não se visse estrelas).
Quantos olhares de interesse são disfarçados num milésimo de segundo? Quantos sorrisos sem para quê são dados só para que se dê um “quê” de felicidade à tristeza? O que há detrás de uma lágrima? O que há detrás das cicatrizes marcadas na pele?... Das cicatrizes que não deixam marca? De uma vida que se aproxima da morte a cada segundo? De uma vida que nem nasceu e já morreu? Será... que sentir amor dói mais do que não sentir?... O que eles sentem?
Quando eu vejo o mundo, vejo a mim. E, do lado de fora, pergunto-me onde estou dentro.  Se sou a namorada apaixonada que abriu mão dos seus sonhos para sonhar à dois, se sou a sonhadora que se refugia em sua própria fantasia, se sou o refúgio de outro sonhador... se sou quem escreve sentada em um banco distante com vista panorâmica da vida... se sou quem ignora a vista, e lê a história. De qualquer forma, a tarefa parece um pouco como tentar encaixar um recorte numa colagem de papel. Porém, e não é por falta de goma, algo no final acaba não dando certo.
Talvez minha dose de humanidade seja grande demais para caber em um só parágrafo, e eu tenha mais do mundo do que me parece, às vezes. Talvez todos tenham querido ser espectadores, em algum momento, mas assistir só é verdadeiramente aprazível quando se veem ações concretas. Talvez a gente não precise entender tudo, quando se vive e se é. E a poesia do universo talvez seja peixe grande demais para caber em barco tão finito.

No fim das contas, paguei meu ingresso subindo no palco. Da mesma forma que, no restaurante da esquina, quando não se tem dinheiro, paga-se lavando os pratos.