O verbo


Eu descobri que sou um verbo. Sou porque sou e tornei-me na medida em que tentava ser. Agora, sendo, sou ainda mais. É simples assim: se você for sincero consigo mesmo, será. Fará sentido. Essa coisa de ser... não é tão difícil quanto parece. É gramatical.
Em algum momento do ensino fundamental as pessoas aprendem que verbo indica ação, estado ou fenômeno meteorológico. Ora, ser é verbo. Logo, o ato de ser deveria significar uma dessas três coisas. E arrisco dizer que, sendo algo tão fundamental, bem poderia significar as três. Então, por que insistimos em ser sem que sejamos? Por que não, agir e estar, da forma que se quer ser? Por que não, chover, nevar, orvalhar? Arco-íris de si. Frente fria de pensamentos. Um ciclone extratropical de conflitos internos. A paz, Coroa Lunar. Trovejar. El Niño. La Niña. El Niño, La Niña. El-niño-la-niña. Los Niños juntinhos. Quando dois são um só.
O que somos, nós que fazemos. E mais do que isso: O que somos, nós que somos. Se não se quer ser, já se está sendo. Para ser basta que se exista. Não é como uma opção. A opção é ser-o-que-se-é.  
Eu descobri que sou um verbo. E escolhi não apenas ser. Eu escolhi ser amor (que se é).
Eu escolhi ser: Amar.

Sobre pesca, recortes e louça suja

Escrito em 01 de outubro de 2013, com inspiração genuína em rascunhos de caderno

Às vezes, quando eu paro de pensar nos problemas da vida, na minha vida e nos meus próprios problemas, consigo ver o mundo. O mundo sem as expectativas do mundo todo, e do mundo que me diz respeito: as que projetaram para mim antes mesmo de eu nascer, as que adotei ao longo do caminho para correspondê-las e as que inventei, por conta própria, ao sofrer as decepções de viver o que não tinha roteiro.  Nessas horas, sinto como se não pertencesse a nada – sequer a mim mesma. Mas, enquanto não sou capaz de captar a essência última do que sou, sinto-me apta a vestir a indumentária habitual de espectadora da vida. Pois o inefável, até que possa ser claramente definido, não tem de tomar partido das coisas. De fato, nem ingresso paguei para estar aqui. E ali, naquele momento, se fosse possível ser, à parte de tudo isso, eu fui.
Eu queria ser capaz de dizer tudo o que inunda a minha mente nesses instantes... muito provavelmente, embora só em sentido alegórico, as ondas do mar do abismo – aonde lancei linha de pesca e diante de onde finquei os pés, na esperança de sondar a poesia do universo (ainda que fosse dia e não se visse estrelas).
Quantos olhares de interesse são disfarçados num milésimo de segundo? Quantos sorrisos sem para quê são dados só para que se dê um “quê” de felicidade à tristeza? O que há detrás de uma lágrima? O que há detrás das cicatrizes marcadas na pele?... Das cicatrizes que não deixam marca? De uma vida que se aproxima da morte a cada segundo? De uma vida que nem nasceu e já morreu? Será... que sentir amor dói mais do que não sentir?... O que eles sentem?
Quando eu vejo o mundo, vejo a mim. E, do lado de fora, pergunto-me onde estou dentro.  Se sou a namorada apaixonada que abriu mão dos seus sonhos para sonhar à dois, se sou a sonhadora que se refugia em sua própria fantasia, se sou o refúgio de outro sonhador... se sou quem escreve sentada em um banco distante com vista panorâmica da vida... se sou quem ignora a vista, e lê a história. De qualquer forma, a tarefa parece um pouco como tentar encaixar um recorte numa colagem de papel. Porém, e não é por falta de goma, algo no final acaba não dando certo.
Talvez minha dose de humanidade seja grande demais para caber em um só parágrafo, e eu tenha mais do mundo do que me parece, às vezes. Talvez todos tenham querido ser espectadores, em algum momento, mas assistir só é verdadeiramente aprazível quando se veem ações concretas. Talvez a gente não precise entender tudo, quando se vive e se é. E a poesia do universo talvez seja peixe grande demais para caber em barco tão finito.

No fim das contas, paguei meu ingresso subindo no palco. Da mesma forma que, no restaurante da esquina, quando não se tem dinheiro, paga-se lavando os pratos.

Coisas do meu coração

Eu adoro quando você diz
"Menina, faça isso não"
Porque sabe sou só aprendiz
Nessas coisas do meu coração

Eu adoro quando você vem
E começa a frase com meu bem
Porque sabe não vou resistir
Se você começar a sorrir

E adoro te ter bem pertinho
Pra te abastecer do meu carinho
Pra tentar convencer a saudade
Que amor às vezes é deixar ir

Se você sempre volta
E eu sempre estou aqui
Se você "faz isso não"
E eu faço isso sim
Se você diz "meu bem"
E eu começo também
A sorrir

Um soneto

"Oh, flor do céu! Oh, flor cândida e pura!"
Como eu negaria ver tua beleza
E, pela razão, chegar à loucura
Se honro o pão que Deus me põe na mesa?

Oh, flor do céu! Oh, flor bela e amarga!
Tu que me revelas a luz divina
Tanto guia-me, no estreito, a portas largas
Faço a cruz meu petrecho de esgrima

Mas fugisse à sina de te adotar
Recuando um pouco mais a cada dia
Sem risco de sangrar por tua navalha

Seria como um bote à deriva em alto mar
Brindando o orgulho vão que me diria:
"Ganha-se a vida, perde-se a batalha!"

Obs.: Aceitei o desafio do capítulo LV de Dom Casmurro e fiz isso daí. O que um trabalho de literatura não nos faz fazer, não é?
À propósito, Machado para sempre! <3

O Amor nos inventou

"A chave do mistério
Aponta para dentro"
Mas tudo é mistério
No mais íntimo de ti
E eu, cá de fora
Não posso explicar
O amor que deverias sentir


Não há nada mais belo                                                                           
Reconhecerás este elo
Assim que o não vir chegar
Se a loucura é perder a razão
O que se perde é o coração:
Não és insano por amar


Veja só, é um novo dia
Deixa essa covardia
De viver só por instinto
Ainda procuro em seus olhos
A alma que implora a paz
Eternizada em guerra nesse labirinto.


Do que é que a gente é inventor?
O que é que a gente criou
Que depois não destruiu?
O Amor nos inventou
E, apesar de tanta dor
Mesmo hoje, já sorriu


Atualização: 2º lugar no 1º Concurso de Poesia Falada Estudantil (Estância/SE).

Uma tarde com você

Quero uma tarde com você, para poder viver de perto o meu sonho, e não apenas sonhá-lo há quilômetros de distância.
Quero uma tarde com você para contar como passei os dias e os sinais do tempo e os que estão espalhados na sua pele. Até perder as contas, num segundo de distração. Uma tarde para ouvir de novo de onde vieram tantas cicatrizes, pois cada uma delas mereceria um livro biográfico... Eu compraria.
Quero uma tarde com você para lembrar que aquele "negócio estranho" se chama saudade, e que a saudade tem motivo e a espera, graças a Deus!, recompensa. Para provar que não se deixar cativar para não sofrer é um péssimo plano.
Quero uma tarde com você para explorar cada mundo de um novo abraço com meu melhor espírito aventureiro, para esquecer toda desculpa que inventei para amenizar a culpa de repetir os mesmos erros e continuar a viver como se já não me tivessem mostrado como fazê-lo: você é uma oportunidade de amar.
Quero uma tarde com você: no inverno, para afastar o frio; nos dias quentes, para acomodarmos os dedões dos pés na areia macia da praia... porque as ondas do mar são como uma mãe que lava os pés de seus filhos travessos antes que eles entrem em casa. E nós não somos filhos teimosos.
Quero uma tarde com você, para contar as piadas sem graça que ensaiei e acabar por te fazer rir sem querer.
Uma tarde com mil pores-do-sol, todos por ocasião de um novo dia.

Olha minha 100ª publicação aí, gente! :P

Última folha do caderno

Você me aquece da ponta dos pés
Até as artérias do meu coração
Nós parecemos loucos, de outro tudo
Tal a extravagância neon
Da paixão

O seu abraço é tão carinhoso
Quem me o dera fosse mais viscoso:
Já não teria que arranjar desculpas
Pr'essa vontade de não te soltar

Vai bem, vou desenhando nosso céu tão terno
Na última folha do caderno
'Inda que eu não saiba desenhar

E, bem, naquela tela de computador,
Jazem as notas sobre o nosso amor
E as digitais do seu, meu polegar

Revejo as fotos:
Não ouviram o "xis"
Um beijo e sempre
Tudo o mais condiz:
Ainda o sinto à ponta do nariz

E visto que à primeira vista
Não o chamei de amor
Seja-o agora aonde você for
Mesmo onde a vista não
Chegar

Corri para mim

Depois de tantas reviravoltas, não resisti: este é o lugar. O lugar de quê exatamente? Não sei. Às vezes um desabafo, às vezes algo que simplesmente não merece ficar guardado - já que o que fica guardado não é muito diferente de uma caixa esquecida no meio do porão: não serve para nada e ainda acumula poeira. Sei mesmo que é sempre um escrever para encontrar-se.
Como se sentir preenchido? Esvazie-se. Funciona comigo. Não que eu esteja cansado de mim - só quero dar alguns passos além de meus próprios pés. Quem sabe eu possa voar se esquecer, por um ou dois segundos, essas limitações que eu mesmo me imponho... Se até xícara tem asa, a catacrese também pode me dar uma "mãozinha". E aí a gente vê se, depois que passar a hora, eu ainda me perguntarei: Por que foi tão difícil falar isso antes. E se faltará, de novo, interrogação para tamanha verdade.
Ter te deixado ir sem te chamar de volta foi como aceitar que você fosse... como abrir mão do tempo que te roubo, com justiça, nos fins de semana que chamo de nossos. Mas parei no corredor, sem saber aonde ir e se não teria sido coisa de momento ou para quem correr pr'o abraço: então, corri para mim. E acabei aqui. Este é o lugar onde sou.
E se a voz sair, eu digo em voz alta.

Um pouco

Em todo lugar
Tem um pouco de você:
No banco da praça
Na porta de casa
No meu coração
Onde não posso ver

Talvez quando isso passe
Eu já nem queira mais falar
O grito da saudade
Vem para me lembrar
O sussurro que chamam de amor

Eu vejo a vida passando
O mundo, um vulto na janela
E tudo o que eu quero comigo
Ficando mil metros atrás

Eu preciso de um abraço
Não esse, que não é abrigo
Eu preciso de você
Ou retrocedo uma vez mais

Em todo lugar
Tem um pouco de nós dois
Nas palavras não ditas
Que ficaram pra depois
Na chuva que acabou
Sem estrear sequer um beijo
Na luz que deformou
A silhueta de um desejo

O que há de ti em mim
É substrato
E apesar de qualquer fato
Em todo lugar é o que vejo

Algo a mais

Eu nasci com algo dentro de mim. Algo que muitas vezes não sei bem o que é, apesar de arder em meu peito, mas que, na maioria das outras, quando a necessidade de um significado atormenta-me a mente, é fácil sintetizar como uma vontade incessante de buscar algo a mais. É importante frisar minhas palavras para que, porventura, eu não venha a ser mal entendida mais tarde (afinal, mal entendidos são uma grande infelicidade): estar em busca de algo a mais não é desprezar o que já tenho e o que já sou, é, pelo contrário, tê-los em tão alta consideração que seria quase como um desmérito estar satisfeita com tão pouco, com tudo o que ainda há para ser e ter. Como já falei, eu não busco algo mais, busco quase o oposto disso: algo a mais. Não para estar um passo à frente de mim mesma, mas para dar um passo adiante - e neste caso, eu estaria assumindo, ainda, tudo o que vivi.
Eu nasci com a pressa de percorrer o mundo só para chegar em casa no final. E então eu tiraria os sapatos e massagearia os pés dormentes, enquanto a sensação valiosa de estar onde sempre quis tomaria, nos meus lábios, a forma irreparável de um sorriso. Faz algum tempo desde que tomei a decisão de ir em frente com isso, porque eu me conheço o suficiente para saber que não vou descansar até chegar ao ponto em que terei de admitir não podê-lo ultrapassar, porque eu sei que enquanto houver caminho a meu alcance, sempre caberá algo a mais na bagagem. E porque eu jamais recusei algo que viesse a me somar. A menos que fosse comida.
Afinal, por mais que procure-se-a, e isso é absolutamente necessário, já sinto admitir em meu coração: satisfação, neste mundo, é ter a barriga cheia - e um lembrete de paciência colado no umbigo.

Do que é insondável

Levantou-se para escrever o que tanto lhe afligia a alma mas, ao sentar a ponta da caneta na folha em branco e inclinar corpo e mente na direção das palavras que viriam a seguir, descobriu-se inútil em desvendar o que já sentia de cor - no sentido mais literal da expressão. Na verdade, ela já havia conseguido lidar muito bem com o fato de não poder entender o amor e o universo e a síntese de proteínas mas tornar-se a si mesma um ponto de interrogação era muito mais do que podia suportar. Não compreender o que sentia parecia-lhe o mesmo que não saber quem era. A impressão que se tinha era de estar caindo no abismo de sua própria escuridão, da mesma maneira que Alice, tão imprevisivelmente, caíra numa toca de coelho. Mas havia um paradoxo misterioso naquela queda interminável: ao passo que penetrava mais profundamente, sentia-se cada vez mais longe do que queria se tornar, sob o peso esmagador dos medos e inseguranças, e também cada vez mais perto da liberdade que era fincar os pés no chão, porque apesar do tombo que a esperava e embora pudesse permanecer no mesmo lugar – e isso, em si, já é uma escolha -, poder-se-ia também ir para onde for, eventualmente com as próprias pernas. Tentava ela, principalmente sem sucesso, parecer indiferente a tudo isso, sem saber ao certo se a culpa era sua ou do mundo, sem saber a quem devia as respostas que andou procurando e de onde surgiram tantas cobranças sem razão aparente, mas sabendo que, fosse quem fosse, tratava-se de uma retaliação.
De qualquer forma, agradou-lhe lembrar que todas as vezes em que sonhou estar caindo, acordou na cama.


* Oi, gente! Nunca é tarde para desejar um feliz ano novo, não é?... então, FELIZ ano novo! Continuem comigo.