Flecha ao alvo

Eu te vejo e não há questão de tempo até que um sorriso desenhe-se em meu rosto. Um sorriso meio tímido, de quem acaba de sentir uma lufada de vento frio redopiar no oco do estômago; mas sincero, de quem igualmente começa a sentir o peito palpitando de alegria. Simples. Eficaz. Apenas você e os efeitos colaterais que provoca. E a minha única teoria é que sou alvo fácil de um cupido possuidor de uma aljava com número incomensurável de flechas, atento ao menor vislumbre do mais frívolo fio de cabelo seu, o que garante que eu me apaixone de novo e sempre e incontáveis vezes, a cada vez que o vejo. Líquido e certo.
Tudo isso me faz acreditar que ser alvo não é o mesmo que ser vítima. Pelo menos, não quando ser atingido significa passar a ter uma vida repleta de amor ou quando, mais letal que todas as flechas, é o olhar que enfeitiça, as mãos que se entrelaçam, o coração palpável batendo em ritmo de samba-canção à milímetros do ouvido, a proteção dos braços que abraçam...
E, de qualquer forma, a primeira flechada foi tão certeira que me trouxe você. Talvez, tão certeira que também tenha te acertado. Deixa, que nós convivemos com essa dúvida perfeitamente bem.
Eles não entendem mas, às vezes, o cupido sabe o que faz.

Saída

Às vezes eu me sinto só
Quando você não está
E quando mais o mundo gira
Sem você, parece não girar

Às vezes as palavras
Não dizem tudo o que há
E minha voz atropelada
Não soa como uma certeza

Às vezes onde estou
Não parece o melhor lugar
Mas quando me dá a mão
Eu deixo que você me leve

Às vezes a vida
Parece loucura demais
Mas a minha saída
É amar você como nunca fui capaz

Direcionada


O meu dever é quebrar as barreiras que existem, tanto as que estão entre nós como as que moram dentro de ti. E deixar que, de mim, você se encarregue, como tem feito por todo esse tempo nas vezes em que tornou-se a principal razão para que 
eu desviasse a direção dos trilhos e improvisasse os planos.
Há tempos decidi que, depois do teste da moral, seguir o coração é a melhor alternativa. E ele tem sido a bússola que aponta o Norte sempre em sua direção e me orienta.
Eu já não me sinta perdida, uma vez que sei o caminho de casa. Não me sinto impedida quando, cada vez mais, o medo sucumbe sob o peso da felicidade. Não me sinto covarde, porque você me dá coragem suficiente para desafiar o mundo. Não me sinto só, nem que eu quisesse. Me sinto completa, de tão bem complementada.
O meu dever é muita responsabilidade. Mas eu tento. Não por dívida - isso não existe aqui -, e sim por tê-lo como propósito desde que te conheci, antes mesmo que você fizesse qualquer uma dessas coisas que me faz apaixonada. Só pelo fato de ver seus olhos brilharem ao sorrir.
E, quem sabe, mesmo que remota a possibilidade, eu consiga te fazer tão bem quanto você me faz.

Carta pra depois

Querido,
Eu tento ignorar todos esses anos que ainda hão de vir e todas as coisas que devem acontecer antes que finalmente possamos estar juntos da maneira que sonhamos, e brindar o presente com entusiamo, como manda a filosofia daqueles que sabem viver. Juro que sim.
Eu tento me convencer de que o futuro só a Deus pertence e parar de me preocupar a respeito do que não me cabe. E ignorar a ansiedade que insiste em aparecer e ocupar a eterna zona de conflito que eu chamo de mente, apesar de minhas advertências. Mas, na verdade, sei bem que ela é apenas uma pressa contida de querer fazer as coisas enquanto é possível, proveniente do medo de não poder fazê-las depois, quando for a hora certa. Se, quando essa hora chegar, você já tiver ido embora. Se, quando for a hora certa, já for tarde demais.
Afinal, pode ser que a gente se perca ao longo do caminho, tantas vezes tortuoso. Pode ser que deixemos de nos importar, de reconhecer um ao outro. De que abandonemos os planos, as rotas, os sonhos guardados pra depois. De que desistamos dos filhos que nem nasceram e de seus nomes pré-definidos, e de nossa casinha à beira mar, já construída em quimeras. E eu temo que desancoremos o nosso futuro e passemos a velejar, eu no meu, você no seu, como duas coisas distintas na imensidão da vida - que é muito longa quando é torturante.
Mas, do futuro propriamente dito, eu não dou a mínima. Desde que estejamos juntos até lá.
Não... o futuro não me pertence, meu bem, mas confesso que eu brindaria a ele se parecesse um presente multiplicado... se fosse, quem dera, uma promessa de amor cumprida, como temos certeza de que será agora.

Da melhor forma possível

É sempre sobre expectativas e decepções, sempre sobre como a vida não é o que a gente espera e sobre como não podemos confiar uns nos outros sem quebrar a cara no final. E acabamos esquecendo o outro lado da história, as voltas que o mundo 
dá, as coisas que já deram tão certo e o fato de que se nem tudo são flores, não quer dizer que tenha de ser espinhos.
Não é por conta de nenhum otimismo patológico que eu acredito que temos que aprender a enxergar as coisas da melhor forma possível. É, mais verdadeiramente, porque se nos atermos ao pior estaremos condenados a uma vida de sofrimentos sem significado. Sofrimentos que, diferentemente daqueles que vêm sem que movamos um dedo - só pelo fato de possuirmos a capacidade de sentir, poderiam ser evitados.
Os obstáculos estão aí, a nossa vantagem é que podemos escolher o que fazer com eles. 
E aí se, de uma vez por todas, conseguirmos entender que as coisas funcionam assim - que os outros não são perfeitos da forma que queremos, como também não o somos, que não se trata de não criar expectativas e sim de saber lidar com o que vier a nos decepcionar, que um erro só é fracasso quando desistimos de acertar - encontraremos uma razão para, ao invés de chorar, rir. E não riremos mais somente para não chorar.

Rosto no riso

O telefone toca em outro cômodo da casa. Minha inclinação em ir até lá não é maior do que seria se eu fosse convidada a tomar um banho no pântano. Mesmo assim, reúno coragem: sempre há esperanças. E eu não teria me perdoado se justo essa chamada caísse na caixa postal. O inconfundível e doce som de sua voz melodiosa desperta em mim o anseio por suas carícias, quase como se o seu "oi" ao telefone tomasse a forma de um abraço apertado que tão somente aguarda a supressão da distância em busca da sensibilidade do toque, da mesma forma que o "meu amor" que completa a frase - e sai "mômô" de tão dengoso - soa como um afago delirante de seus dedos macios nas maçãs rosadas do meu rosto inerte.
Faz-me aérea por alguns minutos, mesmo depois de ter desligado. Conservando o riso súbito de outrora, quando a junção das letras no visor revelaram o único nome que tem o poder de fazer minha paz interior transformar-se em um pandemônio entre palpitações e paradas cardíacas. Riso que acontece sem que eu me dê conta, simplesmente porque não há como pensar em você sem lembrar de ser feliz... sem achar o mundo inteiro bonito... sem carregar um brilho no olhar... um riso no rosto... talvez um rosto no riso. 

Não é carnaval

"Mas é carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixe a festa acabar,
Deixe o barco correr."

Mas não é carnaval!
Então diga-me quem é você!
Amanhã tudo pode mudar.
Não espere a festa acabar,
Nem deixe o barco correr.

(Longe de mim querer contradizer o nobre Chico mas, tudo muda quando não é carnaval.)