O que eu não disse

Você olhou para mim, preocupado, uma ruga entre as sobrancelhas expressando claramente sua sincera incompreensão.
{Quando você falou que se achava capaz de decifrar o mundo, mas eu lhe parecia um mistério sem solução, eu quis dizer "não está estampado em meu rosto, como todos os outros podem ver? não é meio óbvio demais o que eu sinto?"
Quando você falou que já me conhecia o suficiente e, ainda assim, esperaria que eu estivesse pronta, eu quis dizer ”por favor, por tudo, não desista de mim”
Quando você falou que já não sabia o que fazer, eu quis dizer "apenas fique aqui"
Quando você falou que não poderia imaginar qual seria a minha reação se me roubasse um beijo, eu quis, mais do que nunca, dizer "eu adoraria se o fizesse!"
E, então, quando você falou que eu era a menina, eu quis declarar, com toda a franqueza que fosse capaz de reunir, "não, só sou a sua menina"}.
Eu desviei o olhar. Aquilo era torturante. Por todas as coisas que quis dizer, mas não disse. Temendo que você, finalmente, entendesse que o mistério-sem-mistério-algum era somente a reciprocidade de um sentimento, por ora, enjaulado. Que, no fundo, eu queria deixar escapar. Só esperava pelo momento certo.

Só acho

acho que nós combinamos.
nós, eu e você.
como rimas de uma prosa,
como moda demodê.

acho que o agora
conosco, é generoso
pra quê pensar no futuro?
pra quê?... se ele demora
que seus abraços maviosos
pra acabar, não tenham hora.

acho que já não temo
contigo, o quer que seja
pois tange, de mim, o medo
a força de sua presença.

acho que ficaremos bem,
enquanto houver amor...
e nossa silhueta desenhando horizonte
quando, enfim, o sol se pôr.

acho que resolvi me refazer
só pra ti. de novo.
enquanto aprendia a escrever:
era uma vez,
de tão nosso. conto.

- só acho.

Nas margens de mim

Está nas margens de mim o que eu tento esconder e não posso, por ser mais forte do que eu. Está nas margens de mim essa vontade súbita de um viver estando ao seu lado, de correr atrás de sonhos há muito abandonados e, então, não abandoná-los nunca mais. Está nas margens de mim tudo o que está cravado fundo em meu coração, toda esta luta entre razão e emoção, onde já não se sabe quem fala mais asneiras. Está nas margens de mim... até mesmo quando a expressão é de brandura ou, melhor dizendo, o disfarce é convincente. Por isso que só me compreende quem me conhece com tudo o que eu sinto, de dentro pra fora. Quem sabe reconhecer o choro contido, o riso espontâneo e o querer ir embora. Há momentos em que fica tudo acumulado e não fazendo muito sentido mas, eu sei, sei que é complicado lidar com coisas abstratas. Não se pode encaixotá-las e mandá-las para o Extremo Oriente, afinal - ou qualquer outro lugar bem longe daqui. E elas ficam só rondando os pensamentos, forçando companhia, segundo após segundo; provocando sensações apavorantes, até que nos acostumemos. Por sorte, já passei dessa fase. De sentimentalismo, já estou calejada.

Só viver

Sua realidade fez minhas maiores utopias parecerem possíveis e todo o meu mundo, uma brincadeira de faz-de-conta. Me fez abandonar minhas convicções - o que eu achava ter desvendado das coisas como elas são, da vida como ela é - e admitir o quanto havia sido tola.
Sua realidade se apresentou a mim como um convite para deixar de ser botão e florescer na próxima primavera. E eu, mais que aceitá-lo, quis merecê-lo. Até que ele veio oficialmente, em forma de cartão, num buquê das minhas lindas rosas, como uma proposital ironia.
Estava já disposta a deixar tudo para trás. As malas prontas e postas na sacadas guardavam roupas, memórias e outros pertences acumulados ao longo do tempo. E eu estava pronta para ti, tanto quanto foi possível restaurar-me. Pronta para sair dos entulhos da ruína de minha antiga esperança e enfrentar o que viesse, com a mais bem ensaiada pose de durona. E a segurança de nossos dedos entrelaçados. As malas postas na sacada e eu reposta no meu lugar.
Sua realidade, quando passou a ser nossa, tornou-se meu maior sonho realizado.
Nossos desejos particulares cederam espaço à planta de uma casa, a contas-poupança, a anões de jardim  e carrinhos de nenês. E fomos construindo amor ao longo do caminho.
Assim descobri que melhor do que sonhar... só viver.

Sem você. Com saudade.


Sentir saudade de você é difícil. Não necessariamente por causa da própria saudade mas, de tudo o que vem junto com ela. Assim, sinto-me uma perfeita panela, não sem tampa, mas sem cabo. Como se, o tempo todo, alguma parte essencial de mim estivesse faltando. E o tal tempo, no todo que o pertence, transcorre lentamente, de um jeito aborrecido, como se nem ele suportasse seu próprio ritmo. Em suma, parece não avançar. E a vida vai acontecendo como uma longa espera na rodovia, quase alheia de mim, quando você não está. E sinto que todas as coisas, por mais divertidas que venham a ser, poderiam ter uma dose a mais de graça. Inclusive eu mesma. Sinto-me também um tanto quanto insensível, diferentemente do que normalmente sou, como se nada mais conseguisse ser intenso a ponto de me afetar. Não depois de você. Não mais que o seu carinho. Sinto, ainda, um frio na barriga toda vez que o som da campainha tocando desperta a esperança de te ver outra vez. E minha vontade de te ver não passa. E minha saudade, a vista embaça. Pra que eu só tenha olhos pra você. Para garantir que o resto seja só isso: Resto.
E isso sem falar do aperto no peito.


(Tomei vergonha na cara e criei um marcador para o Nas Margens de Mim)

Se...

Se você soubesse como anda o meu coração, se houvesse, ao menos, alguma forma de expressar, se fosse mais lógico ou exato como a matemática eu tentaria - mesmo tento que deixar os meio-termos de lado, ainda que nem eu saiba ao certo - te fazer entender. Se você sentisse o que eu sinto, visse a mim como eu te vejo, almejasse o mesmo fim com todos os "para sempre" que dão imortalidade às histórias,nós poderíamos viver nossa própria versão dos contos de fadas (sem príncipe, nem princesa, só o amor que os faz enfrentar os dragões). Se eu te falasse somente belas palavras, tivesse tempo para pensar em algo mais além de respostas tolas a seus questionamentos súbitos e, então, minha voz não saísse aos tropeços, talvez eu fizesse mais sentido para você. Se eu permanecesse intacta ao te ver, estivesse acostumada a nós tão perto de forma concreta e recordasse os planos de ação A, B, C, D para encontros eventuais que fiz sem perceber enquanto a imaginação se encarregava de criar cenários improváveis de cenas que nunca aconteceriam, talvez você gostasse do que normalmente sou. Se você soubesse como anda o meu coração, saberia que se você sorrisse para mim no pior dia do ano, eu retribuiria. Saberia que eu gostaria que dependesse só de mim o fato de ainda sermos um caso hipotético, um "se" entre tantos outros.

(Escrito para o Nas Margens de Mim)